Ah, essa ação perversa de guardar coisas, de se apegar a
tudo, como se cada memória fosse de dissolver ao menor sopro. A sensação de que
aquilo que angariei é o único conteúdo e que deve ser preservado.
Quero jogar fora! Mas não dá para jogar tudo! Não agora, não
de qualquer jeito. Resolvi que vou reciclar. Olhar para angústia e outros
sentimentos inquietantes, que afinal, não são tão desconhecidos e medindo-as de
alto a baixo separá-los, triá-los.
Há os casos sem esperança, os preconceitos e tristezas de longa
data, que permanecem comigo apenas para criar infelicidade. São os orgânicos.
Para eles, não há esperança. Devem ir
embora, se misturar com a terra, virar qualquer coisa, longe de mim. Que tal pegar o meu perfeccionismo, duro como um metal e transformá-lo em arte, de preferência em uma criação alegre?
São papel todas as dores das quais posso falar, que deixam
de ser minhas e passam a ser linhas... Uma transmutação fácil e ligeira, leve
como um passe de mágica, de agilidade imperceptível, mas nem por isso menos
impressionante.
E quanto ao plástico, são as dúvidas, os medos, as memórias
que merecem ser remodeladas e recriadas, com novas formas, afinal elas foram as
formas do ser que eu era.
Não. Não se pode jogar fora todo um mar de existência, mas é
sábio reciclar seus resíduos. E assim, após algum trabalho e nenhuma violência, eu estarei
bem mais leve, mais limpa, pronta para novos vôos sem excesso de bagagem.
UAU! Que lindo! Parabéns pelo texto.
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