Vento
O vento
está mudando e com ele, o mundo.
As bruxas
sentem a transformação no corpo e sabem que têm que partir e abandonar as
aldeias nas quais viveram por alguns anos. Sabem que os conflitos e as
perseguições estão chegando. Juntam seus trapos e sem anunciar, nem avisar, simplesmente
vão, como sombras. Pois o tempo do vento
ruim entra na mente de cada pessoa, trazendo à tona as emoções mais escondidas.
E por mais que se queira fazer de conta que nada mudou, o vento sopra dentro da
alma e revira tudo, tudo o que não se pode mostrar, dizer ou desejar. É um
incômodo tão grande que alguém deve ser responsabilizado. Então, as bruxas são
punidas.
Foi a mais
velha que percebeu primeiro. Discreta como sempre, tentou controlar a ira que
foi tomando forma em seu corpo. Mas os indícios não deixavam dúvida: pequenas discussões,
descuidos e erros, tensão na comunicação. Coisas insignificantes às quais não
daríamos a menor importância passaram a ter um peso excepcional, a perturbar cada
vez mais as pessoas. E como ela compreendia, decidiu se abrigar na floresta até
que vento se acalmasse novamente, pois era da natureza o poder de fazer e
desfazer, criar e destruir. O homem se julgava tão importante, mas não percebia
que era muitas vezes apenas um joguete.
Na mata, em
perfeita solidão, a velha deixava o vento rasgá-la. Tudo que era oculto se
tornou aparente: os amores mal vividos, os afetos reprimidos, as palavras
irrefletidas ou não pronunciadas, um mar de arrependimentos pelo que não havia
feito e de culpa pelos erros cometidos. A dor foi tanta que ela deixou de
querer viver. Abandonou-se, entregou-se e fez silêncio. Entrou no mundo sem tempo,
sem horas, nem formas. Ao acordar, estava em paz. O vento ruim havia partido. Ela
estava pronta e encaminhou-se para uma nova vida.