quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Vento 



O vento está mudando e com ele, o mundo.
As bruxas sentem a transformação no corpo e sabem que têm que partir e abandonar as aldeias nas quais viveram por alguns anos. Sabem que os conflitos e as perseguições estão chegando. Juntam seus trapos e sem anunciar, nem avisar, simplesmente vão, como sombras.  Pois o tempo do vento ruim entra na mente de cada pessoa, trazendo à tona as emoções mais escondidas. E por mais que se queira fazer de conta que nada mudou, o vento sopra dentro da alma e revira tudo, tudo o que não se pode mostrar, dizer ou desejar. É um incômodo tão grande que alguém deve ser responsabilizado. Então, as bruxas são punidas.
Foi a mais velha que percebeu primeiro. Discreta como sempre, tentou controlar a ira que foi tomando forma em seu corpo. Mas os indícios não deixavam dúvida: pequenas discussões, descuidos e erros, tensão na comunicação. Coisas insignificantes às quais não daríamos a menor importância passaram a ter um peso excepcional, a perturbar cada vez mais as pessoas. E como ela compreendia, decidiu se abrigar na floresta até que vento se acalmasse novamente, pois era da natureza o poder de fazer e desfazer, criar e destruir. O homem se julgava tão importante, mas não percebia que era muitas vezes apenas um joguete.

Na mata, em perfeita solidão, a velha deixava o vento rasgá-la. Tudo que era oculto se tornou aparente: os amores mal vividos, os afetos reprimidos, as palavras irrefletidas ou não pronunciadas, um mar de arrependimentos pelo que não havia feito e de culpa pelos erros cometidos. A dor foi tanta que ela deixou de querer viver. Abandonou-se, entregou-se e fez silêncio. Entrou no mundo sem tempo, sem horas, nem formas. Ao acordar, estava em paz. O vento ruim havia partido. Ela estava pronta e encaminhou-se para uma nova vida.

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