segunda-feira, 24 de março de 2014




DÚVIDAS




Mais um dia em uma multidão de dias, todos iguais.
Há tempos, eu tive um sonho, mas acabei esquecendo dele. O que era mesmo que eu desejava fazer?
As conversas, os conselhos, as rotinas me moldaram e fui ficando parecido. Parecido com meu pai, com meus irmãos, com os amigos deles... Levanto cedo e trabalho, me canso durante o dia e me distraio bebendo à noite. E claro, há as mulheres...
É uma vida comum, uma vida qualquer, mas que mal há nisso?

E no entanto, às vezes, quando não estou fazendo nada, uma vozinha cochicha na minha cabeça coisas que não quero ouvir ou não posso entender.
Fala do outro que eu poderia ter sido. Um outro que teria deixado a vila e ido para a cidade. Teria estudado. Teria visitados lugares novos no mundo. Teria amado e corrido riscos. Teria seguido um caminho só seu, único, diferente e feito seu próprio nome.
E essa voz vai falando, bem baixinho e eu vou ficando triste. A bebida vai ficando mais amarga e eu, mais só. Então, com desânimo, me pergunto uma vez mais:
_  Qual era mesmo o meu sonho?

quarta-feira, 19 de março de 2014

Multidão


Neste lugar há tantos seres.
Há um otimista cheio de projetos e um sabotador que se nega a ajudar.
Há idéias que fervilham e clamor por segurança.
O desejo de inovar e uma estranha indiferença.
A  acomodação da rotina e o impacto do ritual.
E esse falar constante que paralisa qualquer ação
Buscando o silencio eu me pergunto afinal

O que fazer com todas as vozes que moram dentro de mim...

sábado, 8 de março de 2014

 Esconde-esconde


Aqui estou aqui parada, me perguntando o que fazer diante das imensas possibilidades oferecidas por algumas horas de tempo livre. Ontem, às onze horas da noite a programação parecia perfeita e o tempo curto. Tantas coisas a fazer... Arrumar as jardineiras, desenhar, pintar, escrever, doar as roupas, ir ao cabeleireiro...  A lista é infinita. 
Mas, diante do breve momento sem obrigações, meu cérebro de se esvazia e me deixa sem ação. Vejo-me parada diante do banal. Nada parece atraente. Pendurar-me nas jardineiras, sujando as unhas encontrando toda sorte de insetos? Hoje, não. Afinal, está frio, vai chover... Ir ao cabeleireiro? E deixar de aproveitar um raro momento de paz e silêncio? Não faz sentido! E o que dizer da enorme bagunça que preciso fazer para pintar um quadro... 
Então, em algum lugar da alma se instala a sensação dilacerada de promessa não cumprida. Pois, as piores traições são as que fazemos a nós mesmos. Não há nada mais cruel do que se determinar a parar de comer doce e sucumbir diante do primeiro tablete de chocolate. Do que se dizer com (pretensa) convicção que vai ligar para as amigas e para aquela tia solitária “amanhã” e de não ter a iniciativa de pegar o telefone. De estipular o dia de retomar a ginástica e simplesmente, fazer de conta que esqueceu. Não. Não há expectadores, ninguém julgando ou olhando, mas o meu próprio ser se sente enfraquecido.
De alguma forma, esqueço o que havia me dito e as pequenas boas resoluções fogem do cérebro e se agregam em algum lugar, brincando de esconde-esconde. Não desaparecem. Estão lá, zumbindo como um enxame de abelhas mal humoradas numa linguagem incompreensível. Uma “semi-amnésia” perversa que me lembra o tempo todo que estou em falta com alguma coisa já dita ou pensada. 
Planejar e não cumprir é esvaziar a sua capacidade de criar a realidade. Se pensei, decidi, que eu faça! Ou então, o melhor é agir livremente de acordo com a vontade do momento.


Primeira pessoa


No dia em que você não veio, não arrumei a cama, não lavei a louça, não reguei as plantas.
Fiquei sentada, de cabeça vazia, diante da televisão. Esperei.

De noite, dormi de luz acesa, temi os insetos, desafiei os espíritos. Rezei.

Depois, não tomei água, não passei creme, não fiz as unhas.
Comi chocolate, joguei paciência, faltei no trabalho. Chorei.

Então, a vida virou um tabuleiro de xadrez: casas brancas, casas pretas, dias bons, dias sombrios.
Respirei.

Um dia, coloquei flores em um vaso, cuidei do corpo e saí.
Não para encontrar ninguém, mas para aproveitar o presente e ser minha melhor companhia.
Me encontrei.