terça-feira, 20 de maio de 2014

MAGIA, MAGIA, MAGIA...


Ela chegou em casa depois de um longo dia de trabalho. Pendurou o casaco, trocou de sapato, sentou. Olhou para as paredes da sala precisando de pintura, para o sofá já não tão novo e calculou mentalmente quanto tempo ainda gastaria para fazer tudo que deveria ser feito antes de poder finalmente ler, ver um filme, esticar as pernas. Pensou na comida e nas crianças, nas plantas e no cachorro, no telefonema para a mãe e para a amiga, nas camisas do marido... Pensou que estava precisando se cuidar, fazer ginástica, emagrecer, perfumar os armários...
Então, de repente percebeu que na sua lista não havia nada seu. Não havia lugar para dançar, para tocar, para pintar. Não havia tempo para rir, para cantar. E percebeu que na sua vida programada de rotina havia se esquecido de incluir a magia...
Sentou de pernas esticadas no tapete da sala e deixou a memória fazer seu papel. Primeiro devagar, depois aceleradamente imagens foram voltando: a visão perfeita da lateral de Notre Dame de Paris, o professor parando a aula para dizer que a achava linda, as flores deixadas anonimamente na portaria, as risadas insanas com as amigas. o bolo de aniversário surpresa, os presentes que não esperava. Foram tantos. Tantas vezes a vida simplesmente lhe abrira as portas e convidara a passar...
Quem disse que agora tinha que ser diferente? Por que se tornara tão responsável a ponto de não perceber a presença do imprevisível que se esconde nas dobras de cada dia, como uma possibilidade? Será que crescer, se tornar adulta é abandonar o sonho, o olhar risonho diante do que nos aguarda?
"Se for assim, muito obrigada, Prefiro mudar de rumo."
Ouviu a voz dos filhos chegando da escola. Não se levantou do chão. Sorrindo declarou que o fariam pique-nique  na própria sala. Risos e vivas, seguidos de agitação e confusão de crianças reunindo guloseimas. Espanto do marido, alegria dos bichos. Música.
Em meio ao alegre e diferente ficou um alerta interno e um pedido ao universo: que eu me lembre sempre que a Vida pode ser Mais, muito mais Especial...

domingo, 4 de maio de 2014

Curiosamente...


Em algum lugar da mente está impresso que as coisas têm hora e lugar para acontecer. Geralmente é assim. Mas nem sempre. 
Eu não aprendi a andar de bicicleta quando criança. Meu pai tinha um feroz instinto de preservação  e achava que o simples fato de saber pedalar me tornaria a candidata preferencial a um atropelamento. Não adiantava argumentar. Era não e pronto. Minha irmã teve mais sorte. Aprendeu a pedalar no quintal da casa de uma amiga. Como isso não se esquece, ela faz parte da grande quantidade de seres que sabem se equilibrar sobre duas rodas.  
Eu já dava aulas na Aliança Francesa quando fui me dando conta que havia outros como eu. Quando eu comentava, em sala de aula, que não sabia "faire du vélo" havia sempre uma pequena comoção, seguida de risos e comentários. Fazia parte do meu show, mas através dele fui descobrindo outros não-ciclistas tímidos que iam se mostrando aos poucos. Mas quem disse que era uma caso perdido?
Anos mais tarde, aproveitei o "Dia das Mães" para escolher um presente incomum: uma bicicleta feminina, lilás, lindinha, devidamente equipada com rodinhas! Isso mesmo, com rodinhas. O vendedor não podia crer e argumentou que eu não precisaria delas. Fui irredutível. Quero aprender e quero fazê-lo do meu jeito. 
Hoje, curiosamente, enquanto meu marido e filho de 14 anos jogam bola, posso dar voltas e mais voltas na minha bike. Tudo na sequência de tempo "errada", de um jeito diferente. E curiosamente, está tudo certo. Quem disse que as coisas podem ser feitas de um só jeito?